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quinta-feira, 14 de abril de 2011

“FEITIÇO DO TEMPO” NA ITÁLIA

 Por Kiko Loureiro

A única forma de nos aprimorarmos é a vivência musical constante. Somos seres que aprendem por repetição. Estudos diários por horas a fio e ensaios incessantes são mais do que necessários, mas a realidade do palco ou de um estúdio é infinitamente cruel, pois muitas vezes ignora a dedicação desse treinamento solitário. Para uma evolução plena, as experiências de gravações e shows também precisam ser vividas de forma assídua. Se quiser ter uma boa performance, você deve se apresentar; se quiser gravar bem, tem de gravar. Sempre.
No final de 2010, passei por uma experiência – já vivida inúmeras vezes por mim com o Angra – que comprova o que escrevi no parágrafo anterior: uma turnê europeia. Desta vez, foi com meu trabalho-solo, Fullblast, em oito shows na Itália. Além de mim, o quarteto era composto por Felipe Andreoli (baixo), Marcell Cardoso (bateria) e Maria Ilmoniemi (teclados).
Foram apertados dez dias na Itália: um para chegar, oito shows em oito dias, sem pausa alguma, e o dia final para voltar. É o conceito “gringo” de turnê – a única forma de exercitar com veracidade os shows contínuos, que nos proporcionam aperfeiçoamento musical.
No Brasil, as apresentações possuem uma dinâmica própria. Nos fins de semana, é hábito os pinga-pingas de voos neste país continental. Assim, cada performance tem incontáveis horas de preparo e de viagem, traslados, táxis, vans, check-ins e check-outs. Os shows são sempre marcados sem qualquer planejamento, ignorando as distâncias deste imenso Brasil. Não criamos até hoje um senso de turnê, de sequencia, de shows próximos, que otimizaria tempo e esforço e, acima de tudo, resultaria em ganho na qualidade musical, com correção imediata dos erros e segurança na performance.
Aterrissamos em Nápoles à meia-noite do dia anterior ao show. Na tarde do dia da apresentação, rumo à casa de show, conhecemos o roadie, motorista, faz-tudo, ótimo fotógrafo e, como bom napolitano, bom de garfo. Junto com ele estava o promotor/tour manager. Tudo pronto.
Como no filme Feitiço do Tempo (Groundhog Day), todos os dias foram exatamente iguais e tudo se repetiu como se fosse dada uma outra chance para você se aprimorar em relação ao dia anterior. Foi assim: após o café da manhã, nos encolhemos na van, sob o frio do inverno europeu, e seguimos para a cidade seguinte, com direito a parada para almoço na cadeia de restaurantes Auto-Grill, que insistiu por oito dias em nos negar a tradicional culinária italiana; após algumas horas, ao chegarmos à cidade seguinte, despejamos mala e corpo por míseros 60 minutos em algum albergue italiano e nos dirigimos para a montagem de equipamento e passagem de som; em seguida, na melhor hora do dia, o jantar vinha como um banquete e, aí sim, descobrimos o legado do Império Romano e nos rendemos às conquistas de suas cantinas pelo mundo afora; quando sem forças para uma última garfada, era hora de subir ao palco e espalhar notas ao festivo público italiano; ao final, desmontamos tudo e rumamos ao amistoso encontro com os fãs, com os quais conversamos com um precário italiano aportuguesado (mas melhor que de novela...); depois, novamente nos encolhemos na van e retornamos ao hotel; no dia seguinte, tudo se repetia.
Este roteiro ocorreu em Nápoles, Roma, Pisa, Scandiano, Turim, Udine, Schio e Milão, mas, em alguns momentos, conseguimos quebrar a rotina para posar em frente à Torre de Pisa ou no Palácio de Caserta.
Apesar de parecerem cansativas, essas turnês são as melhores lembranças na carreira de um músico. São dias intensos, nos quais o aprimoramento aparece com força enorme. O contato com os fãs, os lugares novos e as culturas diferentes nos deixam dependentes da vida na estrada.

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