Michel Leme Michel Leme é guitarrista e compositor. É professor no Conservatório Souza Lima, na EM&T e teve sua metodologia de ensino adotada pelo Instituto In Concert. Também acaba de lançar o seu quarto disco independente "Michel Leme & A Firma". | |
Dicas e Idéias para o Estudo Musical
Organizar o estudo, escolher o professor e muitas outras dicas para aprimorar seu estudo na música.
O Artesanato da Música
“O filósofo Jacques Maritain nos lembra que, na imponente estrutura da civilização medieval, o artista pertencia ao nível de um artesão... Foi a Renascença que inventou o artista, separou-o do artesão e começou a exaltar o primeiro em detrimento do segundo...
No início, o nome de artista era atribuído apenas aos Mestres das Artes: filósofos, alquimistas, mágicos; mas a pintores, escultores, músicos e poetas cabia o direito de serem chamados exclusivamente artesãos.”
Li esse texto no livro "Poética Musical em 6 Lições" do magnífico Igor Stravinsky, o que confirmou meus pensamentos antes da leitura: a música é como o artesanato, ou seja, um ofício no qual se alcança a excelência através dos tempos, e através do 'fazer'.
Entenda-se por 'fazer': tocar, compor, arranjar, aprender a ouvir, etc. Não é simplesmente 'opinar sobre' ou 'ter conceitos sobre'.
No texto abaixo, tenho a intenção de ajudá-los a aliar o 'fazer' ao estudo da música, com exemplos práticos.
Tendo Aulas
Quem estuda música com um professor, às vezes, se contenta somente com o que é explicado, sem pesquisar ou se aprofundar no que lhe foi mostrado.
Não adianta ouvir do professor certa 'verdade' e não testá-la; não adianta ler que certa nota é 'proibida' em determinado acorde, por exemplo.
É necessário que o aluno faça testes, que desenvolva a percepção, que 'ponha a mão na massa', ou seja, chega de verdades requentadas, ou de segunda mão! Não se contente em adotar as verdades de outras pessoas, viva a arte da música intensamente! Concentre seus esforços e trabalhe cada assunto que estudar com a maior seriedade e empenho possíveis.
Aí o aluno questiona: Mas como?
Tomemos um exemplo: pegue determinado assunto e grave você mesmo tocando coisas relacionadas; ouça músicos que admira, que te emocionam tocando e compreenda como utilizam isso; tente expandir as possibilidades; faça uma música; enfim, crie!
No mesmo livro de Stravinsky que citei no começo desse texto, tem uma bela e poderosa frase dele que ilustra bem o que quero dizer: "Temos um dever em relação à música, que é inventá-la."
Aí está o 'fazer', aí está o 'artesanato' da música.
Escolhendo o Professor
Outra coisa importante é a escolha do professor. Antes de tudo, procure ouvir o som que ele toca, ouça-o tocar ao vivo! Se você sentir que ele "é o cara", isso vai gerar uma grande tranqüilidade, além de empatia e confiança. Aí, tudo flui melhor - você passa a confiar no que ele te disser pra fazer, porque viu e ouviu-o fazendo música de verdade!
Se quer fazer aula com alguém, ouça esse alguém tocar!
Muitos procuram uma “figura” que “apareceu na revista de guitarra” sem nunca ter ouvido sua música e isso pode ser um equívoco.
Organizando o Estudo
Uma coisa muito interessante, na minha opinião, é combinar disciplina com a sabedoria de ser maleável, para não se acorrentar jamais a uma 'rotina de estudos', sem questionamentos, e só perceber mais tarde que perdeu tempo... Sugiro isso a todos, independente de serem autodidatas ou alunos de escolas especializadas (ou de professores particulares).
Seguem algumas idéias:
- Ouça um concerto para violino (ou clarinete, piano, etc.) e se imagine como o solista, concentrando-se em cada nuance... se tiver uma parte onde você diz: "Isso eu nunca imaginaria, como é que ele fez isso?!" Pronto, já ganhou o dia, aprendeu uma coisa nova!
Se quiser tirar 'de ouvido' ou escrever, fique à vontade. Faça o que tiver que fazer. Se decidir transcrever o trecho, só não se esqueça de tocar junto até soar uníssono!
Aí sim, considere o trecho 'tirado'.
- Toque uma música que nunca tocou antes, por exemplo, uma música de Cartola, aliás, um maravilhoso sambista! Aí vem em seu pensamento: "Ah, mas eu não gosto de samba..." e eu digo com todas as letras que isso não passa de capricho, preconceito, mera ilusão e que, com o passar do tempo, acontecerá sua evolução e esse sentimento ou pensamento, desaparecerá.
Preconceito não leva a nada na música! Não tenha medo de tocar ritmos diferentes, confie no seu senso musical. Você vai saber diferenciar 'boa música' do 'qualquer nota feito pra vender milhões'.
Agora, cabe aqui a pergunta:
-Será que um dia você não vai precisar saber como tocar uma levada de samba decente no seu instrumento, uma levada de salsa ou um bolero, quem sabe?! Já pensou nisso? Então, pesquise e tente tocar várias 'levadas' de vários ritmos, e 'no tempo'! Toque junto com as gravações e grave esse estudo para ver se o seu ritmo está bom. Você só tem a ganhar com isso!
- Quando for estudar uma escala, um arpejo, etc., estude em todos os tons! A maioria dos guitarristas, por exemplo, estuda tudo em G maior, não é? Você que é guitarrista sabe disso, tudo pra tocar em Mi menor ou Lá menor, não é? Pare de tocar em G maior! Toque em Bb, F# maior, e de preferência, estude todos os tons! Não tenha um tom preferido. Quem quer tocar bem, deve tocar em qualquer tom. Parar de trilhar o caminho milhares de vezes trilhado, parar de apenas "jogar no certo" é fundamental pra conhecer novos caminhos e, consequentemente, evoluir.
Faça também esse exercício: escolha uma música que você percebe que toca bem e mude a tonalidade dela, é uma ótima experiência.
- Rotina de estudo é uma coisa perigosa.
Às vezes me perguntam quantas horas estudo ou como separo meus horários de estudo, se é "uma hora pra técnica, meia hora pra acordes..."
Minha resposta costuma ser: "Eu estudo o que está ruim!"
Do meu ponto de vista, uma boa tática para estudar consiste em "estudos de emergência", ou seja, praticar o que está pior! O que você acha que está horrível quando toca?
Se é o tempo, pare de preguiça, compre um metrônomo e melhore seu tempo!
Se são as notas do seu solo que às vezes ficam feias sobre uma base, estude harmonia, estude os vários tipos de acordes e fique improvisando, criando situações sobre cada um deles!
Se é a falta de sentido nos seus solos, aproveite melhor cada idéia; etc.
Enfim, não entre nessa de 'rotina de estudo', faça o que sente que é mais urgente.
- Não perca tempo com inutilidades. Ao invés de ficar debatendo 'quem é melhor' ou 'quem é mais rápido'; ao invés de falar mal de algum músico sem conhecer o trabalho dele; ao invés de entrar numa energia ruim... Faça coisas boas, produtivas... Ouça uma sinfonia de Beethoven com o máximo de concentração; pegue a guitarra e descubra um acorde novo pra você; tente tirar uma harmonia complexa, de ouvido, enfim...
Faça coisas boas e deixe a tagarelice e a preguiça para os críticos musicais!
- Seja lá o que for estudar, estude ouvindo o que tocou e toque em função do que acabou de acontecer. Essa é uma boa disciplina pra improvisar melhor. Não deixe seus dedos se movendo sem ouvir o que está tocando, não ligue o "piloto automático" jamais! Use o bom senso, assim você estará sempre exercitando a lógica no que toca. Isso é pra quando for tocar, você ter um discurso musical que prenda a atenção de quem ouve (a começar pela sua atenção), como uma boa história contada por um excelente contador de histórias. Aprenda a ouvir e a aproveitar suas próprias idéias. Isso dá pra exercitar mesmo quando se está estudando coisas simples. Experimente, você vai se divertir muito mais tocando, além de perceber que, sem concentração, não dá pra fazer nada decente na música!
- "Studiare Sempre"! É o que nos diz os dois 'S' esculpidos no corpo de violinos, violas e baixos acústicos. Seja paciente, construa sua casa sobre a rocha: um tijolo por dia, com disciplina de aço, e o máximo de concentração. Tocar sempre pra tudo ficar em equilíbrio!
Um abração!
Michel Leme
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