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quarta-feira, 1 de junho de 2011

LE TEMPS N’EXIST PAS

Por Kiko Loureiro


A discussão é relevante. Existe ou não a linha do tempo? Outras dimensões, dilatação do tempo, relatividade, teoria das cordas... Física moderna, filosofia ou religião, pouco importa onde encontra-se a resposta. O fato é que uma turnê do Angra na Europa, mais uma entre as incontáveis ao longo de 16 anos, excita pensamentos dessa natureza.
Acordo, saio do tour bus já estacionado na frente da casa de show e logo me deparo com um poster do Angra no L’Olympic, em Nantes, França, anunciando a nossa chegada. Sorrio, ainda sonolento, pois os dizeres sinalizam espaço-tempo. Adentro os corredores forrados com outros pôsteres e vejo mais uma vez o Angra no L’Olympic, em 17 de janeiro 1999. Ao meu redor, reconheço o local e, agora, talvez já em outra dimensão, reparo nos outros pôsteres com nomes de bandas que surgiram e se foram meteoricamente, outras que cresceram e ainda estão na ativa e também aquelas que se separaram depois de uma longa estrada, deixando boas memórias. Uma sensação de olhar lápides em um cemitério, com nomes de família e datas que nos transportam a outros tempos.
Em Lyon, recém-chegado ao bar da casa de show, peço um café ao cozinheiro. Simpaticamente, ele responde que preparou o café mais forte desta vez, pois antes eu havia comentado que o café brasileiro era melhor. Antes quando? Em 1996 ou em 2006? Vai ver o cozinheiro veio da outra dimensão “jusqu’à côte” para me agradar. Ele devia estar sempre lá, “just’ao lado”, a observar. Acabei derrubando o café sobre o baixista Felipe Andreoli.
Em Lille, sob os olhos atentos de uma figura familiar posicionada na primeira fila da plateia, toco os primeiros acordes de Carolina IV, música que nos fez conhecidos na França. Essa peça tem um pouco de tudo – ritmos afro-brasileiros, guitarras pesadas inglesas, melodias sofisticadas francesas e coros em português – e é apreciada por olhos familiares, nada muito diferente de outros momentos, há quatro, dez ou 16 anos. Talvez até mesmo nada muito diferente das festas exóticas, com índios vestidos à la Luís XIV, feitas para os nobres europeus no século 17, saciando a sede do colonizador pelo diferente. A figura da primeira fila me transporta mais uma vez para a dimensão vizinha. Reconheço a jaqueta de couro, que brilha como nova, com a pintura do disco Angels Cry nas costas, divinamente preparada por ele mesmo para o nosso debute europeu, em 1995. Porém, noto o cavanhaque grisalho.
O D mixolídio com quarta aumentada de Carolina IV, a jaqueta, o cavanhaque, o poster e o café bem passado são mais rápidos que a luz. Transportam-me ao passado-futuro em um passeio real e atemporal.
O tempo, sem forças, não existe mais, curva-se para dentro e torna-se um simples ponto à mercê apenas da minha universalmente infinita paixão pela música.

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